
As folhas Letraset foram em tempos um instrumento universal do ofício de designer gráfico. Hoje, quase ninguém se lembra delas.
Antes de 1990, quando as ferramentas de desktop publishing começaram a aparecer, um designer gráfico tinha à sua disposição poucas e difíceis ferramentas.
Imaginemos a execução de um trabalho comum, como um cartaz. Inclui normalmente grandes títulos, títulos mais pequenos, textos diversos, bem como fotos ou ilustrações. Exemplifico aqui os processos de trabalho com o uso da impressão offset. Os processos anteriores, a impressão a chumbo e a litografia, seriam ainda mais morosos.
O trabalho de composição dos textos, nos seus vários tamanhos, disposições e fontes seria feito em fotocomposição, que produzia películas com os diversos elementos gráficos, mas avulsos, sem paginação. O resto da montagem da página era feita em película.
Os elementos fotográficos ou de ilustração tinham que ser ampliados ou reduzidos para o tamanho exato, o que se tornava muito mais complexo se o trabalho fosse a cores.
A montagem era um processo tecnicamente complexo, usualmente com negativos e máscaras, películas transparentes e opacas, redes de pontos de inclinação precisa, tolerâncias de décimas de milímetro.
O resultado da montagem era então uma película (ou mais, havendo mais cores) que seria fotografada para uma um mais chapas de impressão. Hoje, todo este trabalho é feito em computador e a chapa é diretamente impressa (computer to plate).
A maqueta
Quem fazia esse trabalho de montagem estava focado na sua complexidade técnica e na rapidez de execução. O trabalho de criação teria que ser feito antes, porque o compositor, o fotógrafo, o ilustrador ou o montador, todos tinham que cumprir com exatidão um projeto que, previamente, o cliente teria aprovado. Todos estes processos, para além de tecnicamente exigentes, não se prestavam a uma visualização prévia. Hoje estamos habituados a olhar no computador e ver o trabalho praticamente tal qual será impresso; mas isso é uma aquisição recente. Antes, cabia ao designer fazer a maqueta.
A maqueta era uma representação o mais perfeita possível do trabalho final. No trabalho de jornal, importava descobrir a extensão que os textos iriam ocupar, uma vez compostos num corpo específico. Os jornalistas eram encorajados a escrever os seus artigos (à máquina, evidentemente, ainda não havia ordenadores pessoais) em folhas pré‑formatadas, as laudas, as quais facilitavam o cálculo da quantidade de carateres do artigo. Sabendo a quantidade de carateres de cada artigo, o paginador era capaz de calcular a extensão das colunas que cada artigo ocuparia e criar a página, com a disposição dos artigos, fotos e títulos, a qual seria posteriormente realizada pelos compositores, fotógrafos e montadores e vista pelos revisores.
Mas isso era o trabalho de jornal, despachado e relativamente cru. Na publicidade, a maquete tinha outra sofisticação. Para realizar, por exemplo, um anúncio, o criativo teria que reproduzir o resultado final com o máximo de fidelidade. Os slogans em título teriam que parecer impressos; os textos teriam que parecer textos. As imagens, uma vez o anúncio aprovado pelo cliente, iriam guiar o trabalho do fotógrafo. A maquete, uma vez aprovada, tinha a importância de um projeto.

A perfeição das maquetas era tal que, muitas vezes, eram usadas diretamente, como nesta publicidade ao famoso filme "Os Pássaros" de Alfred Hitchcock
Para dar às maquetas um ar profissional, recorria‑se a letras decalcáveis, da marca Letraset. Havia todo um catálogo volumoso. Cada folha correspondia a uma fonte e a um tamanho, digamos Helvetica corpo 36. A vantagem era que, havendo referência a uma fonte comercial, o título e o texto poderiam ser produzidos exatamente como tinham sido aprovados. As imagens que iriam servir de guias à fotografia ou ilustração eram elaboradamente trabalhadas em guache, aguarela, até em aerógrafo. Os textos eram também simulados em folhas de decalque com texto fingido em latim: "Lorem ipsum dolor sit amet".

Antes dos computadores, era preciso "mãozinhas" para mexer nos instrumentos da arte...
Outras vezes, decalcados diretamente em acetatos, os títulos eram fotografados e usados em artes‑finais.
As folhas decalcáveis Letraset sobreviveram ao desktop publishing. Mantiveram‑se em uso em desenho de arquitetura, até nesta disciplina o papel vegetal e a tinta da china serem substituídos pelo design assistido por computador. Ficaram também num campo auxiliar das artes gráficas, a decoração de lojas e a publicidade de ponto de venda, até este setor ser invadido pelas plotters de jato de tinta e plotters de corte.